Dizem que os olhos são o espelho da alma. Nunca acreditei muito nisso,
até hoje. Pela primeira vez, eu mesma consigo decifrar o meu estado de
espírito. Normalmente, nem eu sei como me sinto. Mas hoje, eu sei. Estou
bastante entusiasmada, e sinto-me feliz. É o sonho de qualquer pessoa. Ganhar a
lotaria, despedir-se do seu emprego entediante e viver os seus sonhos. Depois
de me maquilhar, lembrei-me que ainda nem tinha tratado do cabelo. Peguei
rapidamente no pente e escovei calmamente o cabelo, enquanto me olhava ao
espelho, com um sorriso radiante. Fiz um rabo-de-cavalo da melhor forma que
consegui, arrumei as coisas na minha malinha, e assim que terminei, saí da casa
de banho. Olhei o meu quarto agora vazio. Virei-me ligeiramente para a direita,
o sítio onde estava a secretária. Recordei as noites que passei a trabalhar,
enquanto trabalhava para aquele jornal patético. Fui obrigada a escrever coisas
que nem sequer eram verdade, só para cativar mais leitores e manter os lucros
que estavam em declínio. Mas, o que podia fazer eu, na altura? Absolutamente
nada. Não me podia arriscar a despedir-me. Como isto está, nunca mais
encontrava um emprego que me desse o salário que recebia com aqueles. Mas o karma
ajudou-me. Eu ganhei a lotaria, e pouco tempo depois de me demitir, o jornal
faliu. Fecharam as portas. Sorri com o meu pensamento, e segurei a mala com
mais força. Respirei fundo e preparei-me, despedindo-me em silêncio do meu
quarto, daquele humilde apartamento.
- Senhora Angelique Maundrell, está tudo embalado
e nos camiões. Estamos prontos. – Afirmou uma voz masculina, vinda de uma
divisão não muito distante. Suspirei e sem grandes demoras, fui até à sala de
estar, encontrando-me então com o tal senhor. Estava ali a ajudar-me com a
mudança. Obviamente que paguei para isto.
- Ainda bem, muito obrigado. Vamos partir já
de seguida. Pode ir andando lá para fora, eu vou só… Ver umas coisas. – Disse
apenas, esperando que saísse.
Assim que o fez, eu vagueei uma vez mais pelas divisões, completamente
vazias. Nem me acredito que vou sair daqui. Sempre quis viver no campo, na paz
e no sossego do senhor, e agora vou finalmente concretizar esse pequeno sonho. Despedi-me
da minha casa, das recordações… Praticamente, despedi-me da minha vida antiga,
e cumprimentei a nova. Sem mais demoras, peguei na minha mala, colocando-a ao
ombro, e segurei a mala que continha a maquilhagem com a mão esquerda. Saí de
casa e tranquei a porta. Desci os degraus até ao rés-do-chão e entreguei as
chaves na recepção do prédio, como combinado. Quando dei por mim, já estava no
meu carro. Pus as chaves na ignição, e dei início até à aldeia onde vou viver.
Eram quase cinco da tarde quando lá chegámos. Não demorámos assim tanto
como pensei. Uther Whitlock estava já à nossa espera. Estacionei o carro,
desliguei-o, saí sem grandes pressas e tranquei o mesmo. Dirigi-me para Uther e
cumprimentei-o.
- Boa tarde Uther, como está? Finalmente,
chegou o dia! – Sorri, toda entusiasmada, fazendo sinal ao pessoal das
mudanças para começarem a tratar de levar as coisas para dentro. E foi isso
mesmo que eles começaram a fazer, enquanto eu falava com Uther.
- Bem, visto que já está tudo pago, falta só entregar-me
as chaves, Senhor Whitlock… - Disse num tom não muito alto, olhando-o ainda
sorridente. Franzi ligeiramente o sobrolho ao ver alguma hesitação da sua
parte, mas tentei não ligar muito a isso. Não deve ser fácil dar as chaves de
uma casa como esta a uma estranha. Será que era muito ligado à casa? Agora que penso nisso, eu não sei praticamente nada.
- Com certeza, Menina Angelique. – Disse pouco
entusiasmado, procurando as chaves no bolso das calças, do lado esquerdo. Assim
que alcançou as mesmas, retirou-as lentamente e deu-mas.
- Muito obrigado, Senhor Whitlock. – Houve
um silêncio inquietante, e uma estranha troca de olhares. Sentia que ele tinha
vontade de dizer algo, mas não sabia se o havia de fazer. – Há algo que me queira dizer? – Questionei, esperando uma resposta
sua enquanto mexia no molho de chaves.
- Na verdade, sim. Eu estou habituado a tomar
conta desta casa. Eu era mordomo e empregado desta mesma casa há anos atrás. E
gostaria muito que pudesse continuar com esse cargo – Informou, olhando-me
nos olhos. Um empregado? Mordomo? Bem que dava um certo jeito, mas eu não estou
habituada ainda a tal coisa.
- Senhor Whitlock, eu não sei se…
- Por favor, Menina Angelique. É a única coisa
que lhe peço. E a minha mulher também gostaria de permanecer o seu cargo nesta
casa. Ela era cozinheira, e gostava imenso de puder reviver esses anos de
felicidade, em que serviu nesta casa. – Ele olhava-me nos olhos e falava
com um certo entusiasmo. Era quase que se me estivesse a implorar, sem o estar
a fazer na realidade. Eu pensei durante uns meros segundos e respondi.
- Está bem, eu aceito que trabalham para mim,
Senhor Whitlock. Eu não sabia que o Senhor tinha esposa, não me tinha referido
isso. – Olhei rapidamente as suas mãos que tremiam ligeiramente. Não podia
ser do frio, pois até estava uma boa temperatura naquele dia. Não fazia frio,
nem calor. Uma boa temperatura, amena. Por isso, porque estaria ele a
tremelicar? Nervos? Ansiedade? Medo? Não, certamente que é do entusiasmo.
Parece-me que ele tem uma forte ligação com esta casa, e talvez a sua mulher
também.
- Tenho sim, Menina Angelique. É normal, ainda
só falámos sobre pequenas coisas, para que a Menina pudesse adquirir a casa e
mudar-se para cá o mais cedo possível. Mas não se preocupe, pois agora as
coisas estão já muito bem encaminhadas, e podemos começar a colocar a conversa
em dia. Aí sim, poderá fazer todas as perguntas que desejar. – Um pequeno e
doce sorriso invadiu-lhe e iluminou-lhe o rosto. Ouvi novamente aquela voz
masculina a chamar-me, para saber onde haviam de montar certos móveis, pôr os
sofás, e todas essas coisas.
- Sim, claro. Peço desculpa, Senhor Whitlock,
mas tenho de ir tratar de ajudar os senhores com a mudança.
- Com certeza, Menina Maundrell. Gostaria que
a minha esposa lhe preparasse o jantar? Assim pode começar já a habituar-se a
estas pequenas mordomias – Voltou a sorrir-me com um certo carinho e
afecto, e tocou levemente no meu braço, com a sua mão fira. Eu retribuí o
sorriso e assenti.
- Claro que sim, acho uma excelente ideia!
Sendo assim eu acho que vou informar os homens para começarem a tratar primeiro
da cozinha, e assim a sua senhora poderá depois fazer o jantar à vontade. – Retorqui,
ajeitando a mala ao ombro.
- Com certeza, Menina. Irei informá-la de imediato.
Às oito em ponto o jantar estará servido. – Informou-me, baixando
ligeiramente o rosto, como se me fizesse uma vénia. Assenti e fui de imediato
informar os homens para que começassem com as coisas da cozinha. Assim que
chegámos à mesma, reparámos que já tinha armários. Apesar de terem um óptimo aspecto
e de serem novinhos em folha, via-se na perfeição que eram antiquados. Não sei
porquê, mas agradavam-me bastante. Eu era fascinada por coisas de épocas
passadas desde pequena, por isso, viver naquele enorme casarão, que fora
construído no século passado, é um sonho tornado realidade.
Sete horas e vinte e três minutos, marcava o relógio do meu telemóvel.
Tudo estava pronto, nos sítios que eu escolhera. Os senhores da mudança já
tinham saído, e eu estava completamente sozinha ali. Era tudo tão silencioso
que dava para ouvir as folhas das árvores que rodeiam a casa a embaterem umas
nas outras. É uma melodia simplesmente fabulosa. Sinto-me em paz, e em harmonia.
Respirei fundo e subi as escadas, indo para o meu quarto. Fui directamente para
a casa de banho. Estava decidida a tomar um banho de sais, para relaxar ainda
mais. Conectei o meu iPod às colunas próprias para o mesmo, e em poucos
segundos, Spem In Alium, de Thomas Tallis,
começou a tocar, fazendo-me sorrir. Tinha posto na opção para que quando
terminasse, voltasse a tocar a mesma música. Dentro de minutos, a banheira
estava cheia, coberta de espuma. Entrei na mesma e deitei-me, aconchegando-me e
fechando os olhos, deixando-me apreciar o momento enquanto ouvia aquela bela peça,
e aquelas vozes angelicais.
Momentos depois, eu terminei o meu banho e desliguei o meu iPod.
Retirei-o e guardei-o numa das gavetas da cómoda. Sete horas e cinquenta e dois
minutos, marcava o relógio digital que estava sobre a mesinha de cabeceira.
Vesti algo prático e cómodo rapidamente. Umas leggings pretas e uma camisola
bastante comprida, de igual cor. Escovei bem o cabelo e atei-o agilmente.
Cheirava-me a qualquer coisa, o que me assustou. Arrumei a escova e coloquei o
telemóvel no bolso da camisola. Calcei as minhas pantufas e saí do quarto,
descendo rapidamente as escadas. O cheiro vinha da cozinha. Dirigi-me
apressadamente até à mesma, e vi lá uma senhora, ruiva, com uma farda daquelas
típicas de empregada, preta e branca, com um avental branco. Eu aproximei-me
calmamente dela, e olhei-a. Estava muito empenhada no que estava a fazer. – Desculpe,
você deve ser a…
- Persephone. Você é a Menina Angelique,
correcto? Sou a esposa de Uther Whitlock. Prazer em conhecê-la, menina. Por
favor, vá andando para a sala de jantar. – Ordenou com um doce sorriso.
Apenas assenti e saí da cozinha, indo então para a sala de jantar. Mas assim
que lá cheguei, Persephone e Uther já lá estavam. Ele sentado, e ela em pé, a
servir o seu marido. Fiquei de olhos arregalados, a olhá-los.
- Como é que você…? – Perguntei ainda
incrédula, apontando para ela. Ela virou-se lentamente para mim, e começou a
caminhar na minha direcção.
- Atalhos, Menina Angelique. – Afirmou muito depressa antes que eu
pronunciasse mais alguma coisa – Sente-se.
– Voltou a ordenar, e eu assim o fiz. O avental dela estava coberto de algo
vermelho. Iria jurar que parecia sangue, mas não pode ser. Abanei a cabeça e vi
a comida que Persephone me estava a servir. O que é aquilo? Que comida é esta? Ela
voltou para o lugar onde estava um prato ainda vazio. Seria certamente o dela.
Serviu-se e sentou-se. Ambos olharam para mim, ao mesmo tempo.
Adorei... Escreves muito bem tão ansiosa para ler o mais...
ResponderEliminarA historia do mordomo e o que ele disse fez-me lembrar a empregada do American Horror Story!!
Ainda bem que gostaste, fico feliz por isso *-*
EliminarAi sim? Não tinha pensado nisso sequer xD Também, mal vi a série >.<
Beijinhos*
Quando o mordomo diz: ''Eu estou habituado a tomar conta desta casa. Eu era mordomo e empregado desta mesma casa há anos atrás. E gostaria muito que pudesse continuar com esse cargo'' Faz lembrar porque no AHS a empregada aparece lá em casa e diz algo do género.
EliminarSério? Cool xD
EliminarQue rapariga de sorte u.u
ResponderEliminarPara o inicio está bom, mas tenta fazer os caps um bocadinho maiores :p
Já agora, estás a fazer uma óptima pontuação e descrição (o que eu gosto)
Continua..
É, é uma sortuda... Ou não.
EliminarObrigada. c: Vou ver se os faço maiores e tal. c:
Oh, muito obrigado. ^^
Continuo sim. ^^
Beijinhos*
Finalmente encontrei algo que gostei de todos os enviados.
ResponderEliminarConfesso que poderias ter feito melhor e maior.
Por favor, promete-me que num próximo capítulo manterás esta postura e tentarás melhorar. Inspira-te em algo belo e que gostes e deixa-te levar pela sombra da literatura. Imagino, até mesmo de longe, sem te conhecer, o bichinho que está ainda aí escondido há espera que o tires para fora.
Agora, busca inspiração e imaginação. Somente isso.
Sim, eu tinha dito, quando enviei, que era relativamente pequeno. Daqui para a frente vou tentar escrever mais por cada capítulo, e espero que para além de serem maiores, sejam também melhores. Ui, tenho aqui um bichinho bem macabro dentro de mim, sim. Apenas não o demonstro logo, ele vai espreitando e saindo da sua gaiola aos poucos. Com certeza.
EliminarMuito obrigado pelo comentário. ^^
Beijinhos*